A chave de Sarah de Tatiana de Rosnay

>>  segunda-feira, 19 de julho de 2010


ROSNAY, Tatiane de. A Chave de Sarah. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2010. 399p.

“Michael
Os anos se passaram e eu ainda tenho a chave.
A chave do nosso esconderijo secreto.
Está vendo? Eu a guardei, dia após dia, tocando-a,
lembrando-me de você.
Jamais me separei dela desde o dia 16 de julho de 1942.
Ninguém aqui sabe. Ninguém aqui sabe sobre a chave, sobre você.
Sobre você no armário.
Sobre papai e mamãe.
Sobre o campo.
Sobre o verão de 1942.
Sobre quem eu realmente sou.”

Paris, julho de 1942
Durante a Segunda Guerra Mundial os nazistas controlavam a França, época de medo e terror para todos aqueles pertencentes a raça judia. Os judeus foram marcados, separados, tratados como bicho. Tinham toque de recolher, hora em que podiam freqüentar o comércio, estavam proibidos de participar das atividades sociais; a exclusão foi só o início do terror. 

Naquele ano aconteceu o que ficou conhecido no país como “a concentração do Vel’ d’Hiv’”, quando milhares de judeus foram presos em um único dia e aprisionados em um famoso estádio onde eram realizadas corridas de bicicleta. La eles foram mantidos presos pela polícia francesa durante dias, sem comida e sem água, um amontoado de corpos, esperando para serem enviados para Auschwitz e colocados na câmera de gás. Um destino em que a esperança os impedia de acreditar mas que no fundo todos sabiam.

- Por que a gente está aqui?
Ela colocou a mão sobre a estrela amarela costura na frente da blusa.
- É por causa disso não é? – ela disse. – Todo mundo aqui tem uma.
Seu pai sorriu. Um sorriso triste, patético.
- É. Ele respondeu. – É por causa disso.
A menina franziu a testa.
- Não é justo, Papa – ela reclamou. – Não é justo!
Ele a abraçou, dizendo seu nome com ternura. 
- Sim, minha querida, você está certa. Não é justo.

No meio da noite a pequena Sarah e seus pais foram arrancados de casa pela polícia francesa e levados sem nenhuma explicação. Querendo proteger o irmão mais novo, ela deixa que Michael se esconda em um armário secreto e o tranca lá dentro. Ela fica com a chave, pois acredita que em poucas horas estará de volta. Ela promete voltar em breve e salvar o irmãozinho que tinha 4 anos. 

Paris, maio de 2002
Júlia Jarmond é uma jornalista americana que mora a 25 anos em Paris, com seu marido Bertrand e sua linda filha Zoë. Uma mulher forte e decidida, que aos 45 anos ainda se sente uma estrangeira naquela terra, mas que ama cegamente o marido e sua filha. A família do marido mesmo depois de tanto tempo ainda a vê como uma estranha, “a americana”, as piadas maldosas do marido constantemente a deixam constrangida e infeliz. 

Júlia trabalha para uma publicação americana no país, e seu chefe a incumbe de pesquisar sobre o episódio que ficou conhecido como a grande concentração do Vélodrome d’Hiver, pouco divulgado entre os franceses, uma vergonha para o país. O evento em memória do sexagésimo aniversário da tragédia está próximo e Júlia deverá escrever a matéria. 

Durante a pesquisa Júlia descobre uma ligação entre uma família judia e o apartamento que pertence à família de seu marido, pesquisando a família Starzyinski ela se vê frente a frente com uma trágica história e quer descobrir tudo que aconteceu aquela família, ela quer conhecer a história de Sarah.

Duas histórias, duas famílias. Sessenta anos separam Júlia de Sarah e a autora constrói de forma magnífica o passado da França no período da Segunda Guerra Mundial. A história de Sarah é triste, trágica, estarrecedora. Assim foi a história de milhares de famílias judias, destruídas e dizimadas durante a II Guerra. No livro a vida das duas personagens são narradas separadamente, até que um vínculo parece conseguir ligá-las.

Júlia é uma personagem forte e com muita força de vontade, estranhamente ela move céus e terra para tentar desenterrar o passado daquela família judia, o que teria acontecido com eles. Eu não sei em alguns momentos qual foi sua motivação para tamanha persistência, o vazio em sua vida atual ou a busca pela justiça. De uma maneira ou de outra ela precisa conhecer o passado, precisa que as pessoas saibam e se responsabilizem pela tragédia que causaram. 

Eu já li alguns livros que abordam este período histórico e a tragédia a que foram submetidos os judeus, e por mais que eu leia sobre isso, o que mais me espanta não é a loucura de Hitler, e sim a atitude das pessoas comuns, que simplesmente viravam as costas para tudo isso e fingiam que não estavam vendo. A maldade, o descaso ou a ignorância em massa. Acho que todo mundo já leu ou conhece a história do clássico “O diário de Anne Frank”, por mais que o livro seja tão triste e comovente, uma alemã ajudou aquela família no meio de tamanha tragédia. Enquanto isso milhares, milhões de pessoas em toda a Europa simplesmente fingiam que não estavam vendo, ou ainda pior, humilhavam e maltratavam aquelas pessoas.

Este livro retrata exatamente isso, e o livro é maravilhoso. Julia quer que as pessoas saibam, que não se esqueçam. Não se esqueçam do holocausto, porque isso tudo realmente aconteceu, por mais trágico que tenha sido não foi uma lenda de muito tempo atrás, é uma triste verdade, um verdade que deve ser lembrada. Leiam, se emocionem e conheçam a história de Sarah, a história dos milhares de judeus que foram mortos, fisicamente, culturalmente ou psicologicamente. Porque aqueles que sobreviveram, nunca esqueceram. 

Zakhor. Al Tichkah.
Lembre-se. Nunca esqueça. 

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