Apátrida - Ana Paula Bergamasco

>>  quarta-feira, 2 de março de 2011


BERGAMASCO, Ana Paula. Apátrida. Porto Seguro: Todas as Falas,2010. 338p.

“- Acho que tem alguma coisa errada no meu documento. Nasci na Polônia. Meus pais e avós, por séculos, são poloneses. No passaporte, na minha nacionalidade, está escrito: Apátrida. O que quer dizer isto?
O moço suspirou, irritado. Parecia uma pergunta recorrente.
- Quer dizer que a senhora, daqui por diante, não tem pátria.
Eu não entendi. Como assim, não tem pátria? A gente não nasce com ela? Inquiri o senhor, já quase em lágrimas.”

Com uma história emocionante, que com certeza toca fundo no coração de todos os leitores, hoje vocês vão conhecer a autora nacional do mês de março no Viagem Literária com Apátrida de Ana Paula Bergamasco.

Os poloneses tiveram sua terra desgastada com a Segunda Guerra Mundial, de um lado a Alemanha e de outro a União Soviética. Hitler e Stalin queriam dividir a Polônia e de 1939 a 1945 o país foi praticamente destruído. E esta é a história de uma menina, nascida no período entre guerras, que morava em um pequeno vilarejo com seus pais e oito irmãos. Seu nome era Irena e ela era polonesa.

Irena cresceu brincando no bosque com seus irmãos mais velhos, a caçula de uma grande família era mimada e adorada pelos irmãos. A casa em que viviam era bem humilde e os pais tiravam da terra o seu sustento. Foi naquela tenra idade que Irena conheceu Jacob, o judeu que foi seu melhor amigo e que ela amou enquanto viveu.

Jacob era filho do Dr. Yossef, um médico judeu que fora amigo de infância do pai de Irena, eles tinham uma ótima condição financeira e sempre procuram ajudar a família dela. Eles brincavam quando criança, cresceram juntos e sonharam os sonhos inocentes da infância. Mas ela era uma goy e ele um judeu, quando chegou a hora, Jacob anunciou seu casamento com uma moça judia.

Foi ai que seu coração se partiu pela primeira vez. Irena sofreu pela perda de seu melhor amigo, de seu amor, de seus sonhos de felicidade. Ele prometeu que continuaria sendo seu amigo, mas ela não via mais sentido naquela vida. Adoeceu em meio a tanta dor e não via mais sentido em continuar vivendo. Mas a vida lhe traria muitas surpresas, a maioria não tão boas.  Ela conheceu Rurik.

Rurik foi um consolo para seu coração, ele que no começo era um homem gentil e atencioso passou a ser o seu homem, o seu amor. Eles foram viver na Bielorrússia e Irena longe de sua família conhece de perto o regime comunista. Seu coração se partiria pela segunda vez.

Esta foi a época em que os conflitos começaram, ali começou o sofrimento de todo aquele povo, que sofreu na pele os acontecimentos que culminaram na Segunda Guerra Mundial e na invasão da Polônia. Os judeus começaram a serem perseguidos, muitos conseguiram fugir para a América, a grande maioria ficou entregue ao governo Nazista.

Irena viveu todos aqueles momentos, a fome, a dor, a perda. Foi então que seu coração se partiu mais tantas vezes, não se sabe como, ela sempre teve forças para continuar e para lutar. É importante que vocês saibam, para que o mau não se repita, para que o homem não assista novamente a tamanha injustiça calado, que todos saibam o que realmente aconteceu.

“Treblinka. Auschwitz. Chelmno. O que estes nomes lembram? Cidades? Campos de Concentração? Morte? Estes nomes não deveriam ter somente estes significados, pois, se assim o for, serão considerados como mais um da realidade da Segunda Guerra, e esquecidos.
Na verdade, o significado destas palavras é a ausência total de respeito humano. È a negação da nossa própria raça. A desconsideração pura do que somos. O oposto da razão pela qual vivemos. O último estágio na nossa ignorância e o primeiro de nossa loucura.
Muitos sabiam. Ninguém impediu. Nem aqueles que poderiam tê-lo feito”.

Eu já li alguns livros que abordam a Segunda Guerra Mundial, mas Apátrida põe muito best-seller internacional sobre o tema no chinelo e merece estar entre eles. O livro narrado em primeira pessoa por Irena é fiel em suas descrições, de nomes, lugares e costumes dos vários povos retratados; podemos ver claramente o belíssimo trabalho de pesquisa da autora.  A história comove e emociona, impossível não chorar com tanta dor, ainda mais sabendo que aquilo tudo realmente aconteceu com milhares de pessoas.

Acompanhar o amadurecimento de Irena durante a evolução da narrativa foi outro aspecto que eu amei no livro, difícil imaginar alguém que ainda tivesse a sua força e a sua bondade depois de tanta dor. Mais difícil ainda aceitar o comodismo e a aceitação das pessoas diante de tamanha tragédia. A luta dos poloneses, o martírio dos judeus, a caça aos religiosos, aos ciganos e a soberania alemã. A autora questiona a política, o papel de Deus e dos homens nesta tragédia.

O livro alterna o passado de Irena com alguns momentos no presente, em partes eu gostei do mistério, em outras quebrou um pouco a narrativa. Eu fiquei querendo saber mais da visão dos outros personagens sobre o que aconteceu como Jacob, Jam, etc.  Vale também destacar o trabalho maravilhoso do capista Ricardo Diniz,  a capa é bonita na foto, mas em mãos é maravilhosa; já a tipografia poderia ter sido melhor trabalhada.

Sem dúvida Apátrida se destaca entre os romances de guerra, passa longe de ser “mais do mesmo” e tem luz própria. Recomendo para todos que gostam do estilo,  leiam e se emocionem.  

"- No mais,  temos que conservar acesas as luzes sobre o passado, para que ele não se repita, por mais dura e difícil que seja esta recordação. Para que, com os anos, não venha a sua negação e o seus esquecimento. Mantermos em memória eterna aqueles que foram ceifados, como um holocausto vivo. Esta é a história que narro na minha autobiografia: seres humanos maravilhosos, em suas múltiplas facetas, arrancados do palco da vida, em pleno espetáculo..."

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