Canalha, substantivo feminino - Martha Mendonça

>>  quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

MENDONÇA, Martha. Canalha, substantivo feminino. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011. 140p.

“Acompanha meu raciocínio: há nove anos Leonardo só vê Gabriella. Pode ter dado escapadinhas por aí? Pode. Mas se fez, foi coisa pouca. Está escrito na testa dele: Sou fiel. Ou seja: eles vivem numa rotina – que pode até ser boa, se eles gostam um do outro, mas é uma rotina. Ao lado disso, não vamos esquecer que a mulher em questão está uma vaca! Resumo da ópera: era preciso mexer com a cabeça desse homem. Nesse caso, nada melhor do que ele saber que há uma mulher – uma outra mulher – ali pertinho que está de quatro por ele! E ela admite tudo! Na frente da mulher dele! É ou não é suficiente para tirar alguém do sério?” p.91

Em Canalha, Substantivo Feminino, a jornalista e escritora Martha Mendonça propõe novo olhar sobre o adjetivo tipicamente masculino. O vil, reles e velhaco cafajeste masculino de outrora vai para o banco de reservas para dar lugar a personagens femininas. O livro reúne contos sobre mulheres infames, mais perigosas que o mais perigoso dos personagens de Nelson Rodrigues.

A primeira crônica serve de farol e dá munição para todo o resto. Larissa, estagiária de 20 anos, seduz o chefe casado, quarentão metido a conquistador, até levá-lo a um estado de loucura, pelo prazer egoísta de testar o próprio poder: “Eu estava sendo muito cabotina. Muito canastrona. Mas ele não percebia nada. Como é que não desconfiava daquela facilidade toda? Será que nem de longe passava pela cabeça do Luiz Fernando que eu estava gozando a cara dele?”. No final da crônica, perplexa, chocada, tive uma crise de riso. A partir daí, o compêndio de maldades vai ficando cada vez pior.

Eu devorei o livro. Li em uma tarde. É narrativa que prende e diverte. As personagens de Martha, pecadoras de classe média baixa, revelam maldades que, pela forma e pelo conteúdo, parecem tipicamente femininas. Uma espécie de remissão a um clichê consolidado na guerra dos sexos, pelo veneno de um esporro muito bem dado, como quem diz “Ei, nós também podemos ser canalhas!”. Com um texto original, leve, com seu olhar sobre o universo imoral brasileiro, a autora apresenta figuras que a gente encontra por aí.

Há uma arquiteta, que seduz o marido da antiga rival de colégio pelo gosto de humilhar a colega. A mãe que, sem hesitação e sem remorsos, seduz o namorado da filha para sentir-se jovem e desejada. A esposa, que convence o marido a brigar com o irmão. Uma loira sensual, que sobe na vida sem trabalhar usando os homens friamente, como degraus da sua escalada social.

Contadas assim, parecem brincadeira de criança. A escritora descreve as maldades planejadas, as manobras sujas e os golpes baixos utilizados para dobrar os homens e, também, passar por cima das rivais. Os contos atiçam, provocam e encontram no cotidiano e no prazer dessas mulheres o seu pão e o sabor de sua prosa.

Martha Mendonça é carioca, jornalista, coautora dos livros Mulheres no ataque, Eu e você, você e eu e autora da peça Os difamantes.

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