Outros cantos - Maria Valéria Rezende

>>  quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

REZENDE. Maria Valéria. Outros cantos. Rio de Janeiro: Editora Alfaguara, 2016. 146p.


Desde sempre gosto de ler livros nacionais, ainda que, quando mais jovem, não conseguisse interpretar e entender o livro da mesma forma que hoje em dia. Nunca tinha lido nada da Maria Valéria Rezende, mas sei que ela venceu dois Prêmios Jabuti (em 2015, com o livro Quarenta dias, e em 2017, com Outros cantos). Depois de uma informação dessas, como não ter curiosidade de ler um livro dela?  E agora que terminei, fico feliz de ter ficado curiosa a ponto de ter escolhido essa leitura.

A personagem Maria é professora e está novamente a caminho do sertão da Paraíba para levar esperança a quem precisa. Ela fará de ônibus todo o percurso até a cidade de destino (que não é mencionada no livro), um caminho perigoso e cansativo por ser muito, muito longo (são mais de 3 dias de viagem!).

Contudo, ao contrário do que possa parecer, Maria não tem a menor pressa de chegar a seu destino. Enquanto viaja, revive, cena por cena, a primeira vez que se embrenhou pelo sertão nordestino. Ela, há exatos 40 anos, atendeu ao “chamado” do Diário Oficial (para quem não sabe, é um veículo de comunicação por meio do qual a Imprensa Nacional tem que tornar público todo e qualquer assunto do âmbito federal). Nesse chamado, estavam listados os municípios do país que precisavam de pessoas para alfabetizar os moradores. Naquela época, ela partiu para Olho D’Água, no sertão da Paraíba, com muita esperança de levar  àquele povo uma vida melhor e poder ensiná-los a ler, escrever e ser alguém na vida.

No entanto, o que ela encontra ali não é o que realmente esperava, um lugar muito mais pobre e mais precário, esquecido no mundo, e é isso que é narrado ao longo do livro.

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A primeira coisa de que me recordei lendo este livro foi o vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (onde nunca estudei, diga-se de passagem, rs). Se alguém tivesse me dito que este livro era um dos clássicos que caem nesses vestibulares, eu teria acreditado piamente.

Em uma pesquisa rápida sobre a autora, o livro me pareceu um misto de realidade e ficção, já que o trabalho executado pela personagem é semelhante ao que a autora faz na vida real.

A narrativa é feita por Maria, a protagonista,  que conta as memórias de sua chegada ao sertão para fazer um trabalho social de alfabetização da população, esperando uma vida totalmente diferente da realidade que acaba encontrando ali (e que surpreende também o leitor).

A autora nos passa com riqueza de detalhes, e com certa poesia, a realidade vivida pelo povo da cidade de Olho D’Água. É muito triste ver o que as pessoas precisam fazer, o quanto precisam trabalhar em troca de um pouco de água e de comida. O trabalho da personagem Maria é inclusive questionado por pessoas pouco interessadas em que aquela população fosse alfabetizada, pois a educação poderia ser uma ameaça para os grupos dominantes daquele local.

De outro lado, é espantoso ver como o ser humano precisa de pouco para ser feliz. Quão rápido se acostuma e se adapta à realidade para sobreviver e levar a vida como for necessário.

Outros cantos está incluído na categoria de livros nacionais, com uma linguagem um pouco mais complexa. Há muitos termos regionais e uma linguagem um pouco mais difícil, mas nada que concentração e um bom dicionário não consigam resolver. Gosto de livros assim, são bem enriquecedores culturalmente. Fiquei bem impressionada com a semelhança do texto com os clássicos nacionais, o que apenas contribuiu para eu gostar ainda mais da leitura.

Apesar da linguagem, digamos, rebuscada, contraditoriamente, a história ensina de forma surpreendente sobre a simplicidade e humildade. Uma simplicidade que encanta e nos deixa com uma saudade do sertão que nem sabia que sentiria (sobretudo no meu caso, que nunca conheci o Nordeste).

Não há romance na história. Maria nutre um amor secreto por um certo homem barbudo e forte que ela encontra várias vezes ao longo da vida, por vários lugares onde passou, mas não chega a ser um romance de verdade.

O desfecho é tão simples quanto todo o resto e acontece repentinamente, tanto para o leitor quanto para a própria protagonista, o que eu não apontaria como negativo para o livro; achei coerente com o texto como um todo.

A palavra“cantos”no título é polissêmica, pois ela remete tanto ao espaço físico onde Olho D’Água se situa, um lugar esquecido e abandonado, quanto a um som produzido pelos aboiadores (aboiar é o ato de cantar dos vaqueiros do sertão chamando a boiada para o curral), que serve como uma espécie de marcação das horas de trabalho. Remete, ainda, ao “espaço”psicológico da personagem, um local da memória onde ela guarda lembranças que para ela têm um valor particular.
  
Para você que curte livros nacionais, indico muito este livro. Se você não gosta, indico assim mesmo, é um bom jeito de começar a gostar.

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