Somos os que tiveram sorte - Georgia Hunter

>>  segunda-feira, 26 de novembro de 2018

HUNTER, Georgia. Somos os que tiveram sorte. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018. 504p. Título original: We were the Lucky ones.

“Meses depois, em outro mundo, Nechuma vai olhar para trás, para essa noite, o último Pessach em que estavam todos reunidos, e desejar, com todas as suas forças, que pudesse revivê-la. Vai se lembrar do cheiro familiar do gefilte fish, do tintilar da prata na porcelana, do gosto da salsa, o salgado e o amargor na língua. Vai desejar sentir novamente a maciez da pele de bebê de Felícia e o peso da mão de Jacob na sua, embaixo da mesa; o calor aconchegante do vinho no vazio de sua barriga, implorando para acreditar que, no fim, tudo daria certo. Ela vai se lembrar da alegria de Halina no piano depois do jantar, de como dançaram juntos, como todos disseram que sentiam falta de Addy, garantindo uns aos outros que ele logo estaria em casa. Ela vai repetir tudo isso de novo e de novo, cada belo momento daquele dia, cada sabor, como as últimas e deliciosas peras klapsa da estação.” p.39

Eu adoro romances de guerra, principalmente livros que são baseados em histórias reais. Peguei esse livro para ler sabendo que se tratava de um livro sobre judeus ambientado na Segunda Guerra e já esperando o sofrimento que viria com ele. Ah... mas eu encontrei tão mais do que isso! Confiram o que achei de Somos os que tiveram sorte da Georgia Hunter.

“Ao fim do holocausto, 90% dos 3 milhões de judeus poloneses haviam sido aniquilados; dos mais de 30 mil judeus que viviam em Radom, menos de 300 sobreviveram.” p.11

Polônia, março de 1939
A família Kurc permanece unida e confiante, com esperança de que o melhor aconteça. Mesmo na sombra de uma guerra que se aproxima, eles se mantém positivos, imaginam que não pode ser pior do que a guerra anterior. Eles mal sabiam que aquele seria o último jantar com a família reunida. Naquela noite, a mãe, Nechuma, 50 anos, agradeceria a presença de todos e sentiria falta do filho ausente, Addy, 25 anos, que morava na França. Ela olha para o marido, Sol, 52 anos, que sorri ao lado da neta, Felicia de apenas 4 meses, filha de sua filha Mila, 29 anos e Selim. Seu filho mais velho, Genek, 31 anos, está ao lado da esposa, Herta, eles ainda não têm filhos e não acreditam que seja o momento para tal. Jakob é seu porto seguro, com apenas 23 anos o seu filho espera o momento certo para pedir a namorada, Bella, em casamento. Halina, 21 anos, é a caçula e está namorando Adam, para quem a família sublocou um quarto. 

Eles estão melhor do que muitos dos judeus e sabem disso. Nechuma e Sol são donos de uma próspera loja de tecidos. Addy é engenheiro, Genek é advogado, Selim é médico. Eles têm dinheiro e um bom patrimônio. Mal sabiam, que nada daquilo iria significar muito nos anos que viriam a seguir.

De repente, de uma forma ou de outra, todos eles são separados, e sozinhos, precisam achar um caminho e apenas, sobreviver. Lutando diariamente pela vida, rezando para que os familiares ausentes estivessem vivos em algum lugar, eles seguiam em frente. Alguns anos depois esperavam que tudo aquilo estivesse para terminar, acreditavam que pior do que estava não podia ficar. E ainda estavam no início de 1941. A perseguição de Hitler para o extermínio dos judeus, as atrocidades cometidas, os guetos, os campos de concentração, os extermínios em massa... Eles se deparam com uma época onde ser judeu era pior do que ser um bicho, onde procuraram um fio de esperança e encontravam apenas mais sofrimento, maiores provações, mais desespero. A fome, as doenças, o trabalho forçado. Acostumar a sobreviver com 800g de pão duro e água por dia, num dia bom... quando ainda havia comida.

Addy está na França, desesperado para voltar a Polônia e reencontrar a família. Escreve cartas diárias para a mãe, sabendo que a situação por lá começava a piorar. E depois, lutando para sair do país, tentando de todas as maneiras fugir do continente e chegar a América.  Sem saber se mais alguém da família Kurc sobreviveu. Genek e Herta são levados para o exílio em um campo de trabalho na Sibéria. Trabalham em condições sub-humanas, lutando para sobreviver ao dia seguinte. Sob um inverno congelante, sem agasalhos, sem comida. Mila tenta arrumar forças para que seu bebê sobreviva; seu marido desapareceu, sozinha, ela faz o que precisar para que Felicia tenha um futuro. Os outros, tentam apenas sobreviver ao gueto, trabalhando exaustivamente nas fábricas, sem alimentos suficientes. Nechuma vende aos poucos os objetos valiosos da família que conseguiu carregar. Uma joia talvez compre um remédio, ou um pouco de comida para a neta.

Eles seguem em frente, com uma inabalável vontade de viver. Uma fé sem limites e uma esperança inesgotável.

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Sem dúvidas o melhor livro que li em 2018 até o momento! Uma história linda, bem escrita, emocionante. Eu chorei o livro inteiro, choro escrevendo essa resenha, chorei quando vi no site da autora a foto de alguns membros da família Kurc. A história é desesperadora, é de arrepiar em várias passagens. O terror e o absurdo que os judeus viveram é algo que sempre entristecerá qualquer ser humano, mesmo tantos anos depois. É uma historia que mexe demais comigo, eu sempre sofro muito com essas histórias. E olhem que, como não leio sinopses, só fui saber que era baseado em história real depois de terminar. Se não fosse isso, eu teria sofrido muito mais.

Eu, sinceramente, não sei de onde eles tiravam forças para continuar. Sendo tratados como bichos, ignorados por vizinhos e amigos que eram próximos até dias atrás, sendo submetidos a todo tipo de atrocidades e injustiças. Primeiro fecham o comércio dos pais e os outros são demitidos de seus empregos, depois eles são expulsos da casa da família pelos alemães e precisam alugar um apartamento minúsculo no “bairro judeu”. São marcados, recebem ração para sobreviver, são enviados para diversos trabalhos braçais. São separados, espancados, presos. São enviados aos guetos, aos campos de trabalho. Estão magros, esqueléticos, morrem se desmaiam de exaustão e caem na rua, morrem no trabalho – de frio, de fome, de várias doenças. Os corpos são descartados, queimados. Alemães começam a matar judeus por esporte.

Eu torci por cada um deles, sofri com cada um deles, queria muito que todos eles sobrevivessem. O título “Somos os que tiveram sorte” deixa a esperança de que a família, ou a maior parte dela, sobreviva. Embora “sorte” seja uma palavra intrigante para se usar nesse título, afinal, não se podia chamar de sorte, ser judeu e viver na Europa ocupada pelos alemães. Isso torna o título ainda muito mais triste e impactante. 

Entre os capítulos, narrados em terceira pessoa por vários dos personagens, encontramos fatos históricos do que ia acontecendo no mundo durante a guerra. O pior é você saber que ainda faltam anos para tudo terminar, e eles lá, torcendo para que tudo acabe logo.

A autora escreve tão bem, que fiquei abismada ao descobrir que esse foi seu primeiro trabalho. A narrativa é deliciosa, você lê páginas e páginas sem nem perceber. Uma história densa, narrada de forma leve e até com algumas tiradas bem humoradas. Eu amei todos os personagens, não consigo escolher um favorito.

Georgia é neta de um dos personagens, e foi uma alegria chegar ao final do livro, ler sobre como ela teve a ideia do livro e como obteve as informações com os parentes sobreviventes. No site da autora, você encontra muitas informações interessantes sobre o livro e a história da família (embora sugiro que o faça, apenas depois de ler o livro).

O texto ficou gigante, mas esse é um livro que merece ser explorado. Se forem ler apenas um livro este ano, leiam Somos os que tiveram sorte. Uma história linda, bem escrita, emocionante por e apesar de todo o sofrimento. Leiam!!

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