A Metade Perdida – Brit Bennett

>>  quarta-feira, 6 de outubro de 2021



BENNETT, Brit. A Metade Perdida. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2021. 336p. Título original: The Vanishing Half. 

“As gêmeas Vignes foram embora sem se despedir; portanto, como acontece em qualquer desaparecimento repentino, a fuga delas ficou carregada de significados. Antes que reaparecessem em Nova Orleans como garotas entediadas atrás de diversão, fazia todo sentido pensar que tivessem sumido de forma trágica. As gêmeas sempre foram consideradas abençoadas e amaldiçoadas ao mesmo tempo; haviam herdado da mãe o legado da cidade, e, do pai, uma linhagem dizimada pela perda”. p. 39

Algumas leituras aparecem por acaso em nossas vidas. Outras surgem com o poder do boca a boca. Creio que A Metade Perdida chegou até mim após uma avassaladora passagem pelo mercado editorial norte americano em 2020. Muito elogiado e com notas altas nas plataformas digitais, o livro de Brit Bennet foi lançado para já ter seus direitos comprados por um valor bastante salgado para virar série na HBO. Esse livro então foi o típico caso de “preciso saber do que todos estão falando”, me inteirar sobre o assunto. Encontrei uma obra que segura as expectativas e entrega muito conteúdo e diversos assuntos de uma forma muito bem conduzida pela autora. Muitas vezes fui enganada por livros da moda, mas não foi o caso dessa vez. 

A Metade Perdida nos apresenta às gêmeas idênticas Stella e Desiree Vignes. As duas nasceram e foram criadas na peculiar Mallard, cidade fictícia na Louisiania, EUA. A cidade foi fundada e desenvolveu em torno de enaltecer as pessoas negras de pele clara, sendo todos ali obcecados pelo embranquecimento. Presas numa vida de pobreza e ansiosas para conhecer o que mais o mundo tem a oferecer, as duas fogem em 1954, aos 16 anos. A narrativa então nos leva para 1968, quando Desiree retorna para Mallard acompanhada de sua filha Jude, uma criança de 8 anos com a pele bastante escura. Logo descobrimos mais detalhes sobre o casamento abusivo que vivia e como a vida foi difícil na cidade em que se estabeleceu, Washington. E como Stella não mais fazia parte de sua vida. As gêmeas então inseparáveis acabaram tomando rumos diferentes e vivendo em mundos e identidades muito distintas. Desiree sempre pensa em Stella, onde ela estará, o que faz, como anda... mas e Stella, será que ela ainda pensa em Desiree? E que escolhas ela tomou? 

O livro tem uma narrativa diferente que caminha habilidosamente entre passado e presente. Assim, vamos conhecendo a infância das gêmeas, as circunstâncias que as levaram a sair de Mallard e a vida que depois levaram: Desiree como negra e Stella como branca. Também somos levadas à nova geração, acompanhando suas filhas (e primas), Jude e Kennedy (a filha de Stella), e quais as questões que a época em que elas vivem as fazem enfrentar. 

O livro aborda alguns tópicos muito polêmicos e atuais, e faz de um jeito que tudo faz sentido e se amarra muito bem à história. Não tem como falar desse livro sem tratar de temas como o racismo e seus subtemas como o colorismo. Ao criar a cidade de Mallard, a autora nos apresenta a uma comunidade preconceituosa que perpetua o racismo em suas estruturas, dando a crer que a vida como uma pessoa branca é a única aceita. Isso possibilitou desenvolver a história das duas irmãs gêmeas – uma negra e outra branca – e como as marcas deixadas pelo preconceito são eternas. Esse para mim é o grande forte do livro, a ideia de pessoas iguais com histórias parecidas vivendo vidas completamente diferentes, e como as coisas realmente funcionam diferente de acordo com a cor da sua pele. Outros pontos polêmicos também são abordados, como a violência doméstica, identidade de gênero e direitos LGBTQIA+, mas para mim a lição que fica é mais além das questões de raça. É como a nossa criação e o nosso passado ajuda a moldar as nossas decisões, desejos e aspirações. Uma questão que pode ser discutida e analisada pela psicanálise. 

O livro é bom e bem escrito, com a história complexa e bem amarrada. Porém, não é uma leitura muito fácil, especialmente no início. Precisei de muita persistência e força de vontade para passar das primeiras 50 páginas, até conhecer tudo e todos. As passagens passado-presente acontecem sem muito aviso e demora um pouco até acostumar. Uma vez situado à história e ao estilo da narrativa, a leitura fica mais prazerosa e desenvolve melhor. No mais, achei um bom livro e o classificaria ainda como complexo e inovador, que recomendo para os fãs de ficção histórica recheada de crítica social. E agora ficamos aguardando a série da HBO! 

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Avaliação (1 a 5): 3.5



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