Ora bolhas

>>  segunda-feira, 4 de julho de 2011


Algumas bolhas não estouram tão facilmente como aquelas de sabão. Para o bem ou para o mal. É o caso de uma parte da cidade que teima em viver em bolhas, móveis ou imóveis: condomínios cada vez mais seguros ou veículos cada vez mais blindados. Ou de pais que, diante de ameaças que parecem se multiplicar em centenas de formas diferentes, criam seus filhos em bolhas de higiene e proteção.
Também é o caso da mãe de Jack, do Quarto de Emma Donoghue que, na tentativa de proteger o filho, fabula e transforma as cenas de violência em uma grande brincadeira. Nesse caso, nem o apelo ao amor materno devoto, absoluto e incondicional representa uma potência redentora em uma bolha de horror.
O entendimento trivial da expressão “romper a bolha” talvez signifique celebrar sua própria liberdade, até então oprimida naquele metafórico glóbulo de ar. Mas e quando a liberdade está dentro da bolha?
É o caso do senhor di Latella, o Jardineiro Fiel do bairro Anchieta, em Belo Horizonte. Poderia ter saído das páginas de um livro, a história do paraense de 84 anos, advogado aposentado, que resiste bravamente, há tempos, à especulação imobiliária. Tudo para manter de pé a casa, erguida com o próprio suor nos anos 1960.
A bolha do senhor di Latella é sufocada por edifícios que o cercam de todos os lados. No pequeno quintal, de poucos metros quadrados, há um grande pomar, onde ele pratica um ritual diário. Passa as tardes trabalhando em pequenos vasos, feitos de potes de margarina e garrafas de plástico, para, na manhã seguinte, deixá-los sobre o muro que divide o lote da rua. Quem passa por ali, lê o versinho, na placa improvisada: “Mudas, jardim e pomar. É sua. Pode levar.”
Entre tantos arranha-céus e abrindo mão de um bom dinheiro, que receberia se cedesse ao assédio de grandes grupos imobiliários, esse senhorzinho mantém sua bolha intacta, e nela cultiva mudas de várias espécies de plantas, que convivem em paz, dividindo o solo em harmonia. Nas mãos de outras pessoas, serão transferidas para um lugar maior, mais espaçoso, que comporte toda vontade de viver que ele demonstra, e em mim inspiram. Bolhas de sabão jamais alcançariam essa altura.
Para quem pretende transformar aquele espaço em um grande prédio comercial com centenas de salas, o senhor di Latella, deve representar uma erva daninha. Não hesitariam, como uma foice, em ceifar aquele brotinho que se atreve a espiar para fora da terra. Não teria vez no jardim daqueles que se acham donos do campinho.
Para mim, representa o milagre da criação, um balé da natureza, que eu assisto com fascinação. Aprendi com ele que, tanto o bem quanto o mal são apenas pontos de vista, não importa o solo em que nascem, o que importa é a maneira de encará-los, e o que você faz com o que você é. Porque no fundo, somos parte da mesma bolha. Se é que vocês me entendem.


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