Livre-se dos rótulos

>>  terça-feira, 6 de setembro de 2011


Ao montarem roteiros da vida numa sequência que faça sentido, as pessoas se definem ou são definidas, muitas vezes, por apenas um aspecto de sua personalidade. O legal, o bonzinho, o fanfarrão, o CDF, o mala, a gata... Os que se orgulham e aceitam o rótulo como uma definição real sobre sua personalidade, dão-lhe um polimento, desfilam com o ele no peito enfunado, como quem ostenta condecoração. Mas, o tempo passa e estes rótulos podem te prender a uma imagem que exigirá muito esforço para ser cultuada.

Conto uma história:

Até o meu quarto ano primário, eu era uma garotinha muito tímida, dessas que pensam muitas vezes antes de dizer “olá”. Eu tentava me livrar daquele rótulo, às vezes queria fazer uma pergunta pra professora na frente da turma ou participar do teatro dos coleguinhas, mas qualquer gesto que eu fazia fora daquela qualificação simplista, logo atraia todos os olhares “nooosa, logo você... tão tímida...” Então, aceitava e continuava ali no meu cantinho. Como a Bianca, de Caçadora de Estrelas, a escola era, pra mim, assustadora.

No ano seguinte, eu iria para uma nova escola e queria estar fora do lugar que me foi reservado até então. Lembro de planejar: “já no meu primeiro dia de aula, vou ser diferente”. Pois me desfiz dos óculos de grossa armação, do arquinho que segurava a franja e de tudo fofo que eu tinha. Foi-se tudo! E logo no primeiro dia de aula, fiz um monte de perguntas pra professora e me ofereci para resolver a questão no quadro. Participei da aula de Educação Física e andei pelo pátio na hora do intervalo. Pronto! Fiquei livre daquele pequeno impresso que colaram em minha embalagem para indicar o conteúdo.
        
A restrição que o rótulo traz, ofusca, é uma inapelável sentença. A “boazinha” que sempre segura a onda de todo mundo, o “palhaço”, que é responsável por fazer os outros sorrirem nas festa, a “linda”, que só está ali por causa da beleza, o “inteligente”, que tem a obrigação de saber tudo sobre todas as coisas...

As pessoas não precisam te enxergar para te rotular, mas precisam te enxergar para entender toda a complexidade da sua personalidade. Para alguns, você está bem ali na frente, mas insistem em não te ver.

O rótulo que colam em você é, inegavelmente, parte da sua personalidade, mas quem pode afirmar que ela não vai mudar? Quem vai protegê-lo da nociva restrição do rótulo? Se há, no subsolo da personalidade que te pertence, riquezas que podem servir à nação inteira, seja em recursos vindos do alto da sua originalidade ou do fundo do seu coração, por que impedir a exploração destes recursos?

Respondam: que rótulo você quer conservar? Digo: manter, fazer exatamente igual, sempre. Quantos rótulos resistiram intactos à ação do tempo? E os mantidos, o quanto foram alterados? De que maneira podemos caminhar, sem traumas, para longe deles? Devemos tratá-los como se fossem araras azuis e fazer tudo para evitar sua extinção?

Seria melhor se perdêssemos um pouco da pose, desempinássemos o nariz e parássemos de querer dizer às pessoas o que elas devem fazer ou do que gostar, e não aceitar quando fizerem isso com a gente. Retire o rótulo, limpe a embalagem e te dê uma coisa muito importante: a liberdade.

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