Memórias de um vendedor de mulheres - Giorgio Faletti

>>  sexta-feira, 8 de junho de 2012

FALETTI, Giorgio. Memórias de um vendedor de mulheres. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2012. 288p. Título original: Appunti di um venditore di donne.



“EU ME CHAMO BRAVO E NÃO tenho pau.

...Quando me apresentei ao mundo, tudo estava em seu devido lugar. Até demais, eu diria, a luz dos fatos que vieram à tona. E, até um determinado dia, tudo aquilo que estava em seu devido lugar foi fonte de diversos incômodos para senhoras e senhoritas aventureiras e arrojadas que não procuravam outra coisa. Sempre pensei que aquilo fosse problema delas.
Até que o problema de uma delas se tornou o meu.” p.7

O ano é o de 1978. A Itália vive dias tumultuados com o sequestro do primeiro-ministro Aldo Moro e Milão encontra-se tomada por conflitos políticos, dominada pela criminalidade. A classe alta da sociedade milanesa se entrega às diversões extremas, restaurantes luxuosos, cassinos clandestinos e cabarés. É lá que ficamos conhecendo um homem misterioso e enigmático, fruto desta sociedade.  E um dos meus autores preferidos está de volta ao blog, conheçam Memórias de um vendedor de mulheres de Giorgio Faletti.

Todos o conhecem como Bravo. Ele trabalha com as mulheres, vendendo-as. Ele já esclarece logo, é apenas um trabalho, não as força a entrar nesta vida nem a continuar nela, não ameaça suas vidas, não espanca mulheres, apenas as vende por um preço alto, puta de alta categoria. Não alicia menores, não atura pedófilos, trabalha com homens ricos que querem uma mulher bonita, bem tratada e disposta.

Sua vida é uma incógnita, não tem família nem relacionamentos. Seus “amigos” são um bando de desesperados, bêbados e metidos sempre no cassino, que amanhecem de bar em bar, como Daytona e sua peruca torta, seu relógio de pulso, cuja presença marca sua sorte ou azar no jogo. Sua relação aparentemente mais saudável é com seu vizinho cego Lúcio, ambos apaixonados por enigmas de criptogramas.

Mas tudo muda quando ele conhece Carla, uma garota linda e simples, que quer deixar a vida dura de faxineira e ganhar muito dinheiro. Ao mesmo tempo Laura, uma de suas melhores meninas, esta metida em uma grande confusão com um lunático, e ele precisa de pensar em algo para tirá-la desta enrascada... não que se importe tanto com ela, mas não faz bem para o negócio. E Carla está disponível, e ela mexe com ele, de uma forma que nunca aconteceu antes.

“Ela está vestida sem ostentação: jeans, uma camiseta, a mesma jaqueta de ontem à noite. Mesmo assim, está linda, fazendo com que os olhos a sigam e a imaginação a persiga. Atrai olhares de inveja das poucas mulheres presentes, assim como eu atraio olhares de inveja de todos os homens. Eu poderia me levantar e resolver a questão dizendo a eles poucas palavras. Se gostam dela, se a quiserem e puderem pagar, não tem problema: eu a vendo.” p.87

Este é o início de um jogo que o transformará em um homem caçado; pela máfia, pela policia, pelo serviço secreto, pelos militantes da Brigada Vermelha. Ele não é mais apenas um apelido desconhecido que figura pela cidade, ele é procurado, sua vida está em jogo. Ele precisa correr para se salvar, não pode contar com a ajuda de ninguém. Ele manteve por muito tempo o resto do mundo escondido de sua vida, mas agora precisa voltar, precisa provar sua inocência, se é que ele pode falar esta palavra; Bravo é inocente, soa estranho para os ouvidos.

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O autor Giorgio Faletti tem uma característica marcante em suas obras, todos seus personagens sempre são minuciosamente apresentados e descritos. O psicológico de todos eles é um ponto forte e marcante. Se diferencia dos thrillers policiais que estamos acostumados, seu ritmo é mais lento e descritivo. O que pode ser considerado maçante para alguns leitores, para mim é perfeito, suas historias tem ritmo e evolução, não são corridas ou apressadas.

Mas as similaridades de suas obras terminam por aí, o autor não tem uma formula pronta, e para mim esta é a maior qualidade de Faletti. Em Eu mato acompanhamos um serial killer sobre diversas narrativas, enquanto em Eu sou Deus temos assassinatos em massa, as vítimas no segundo livro são irrelevantes. E agora em Memórias de um vendedor de mulheres, a narrativa é feita apenas por um personagem (como o próprio título já adianta) e não temos uma investigação policial, temos uma corrida contra o tempo e mortes encomendadas. 

O importante aqui é que você não leia e pense "gostei, mas comparando com Eu mato...", não compare!  São livros muito diferentes. Para mim Faletti é brilhante, o fato de não conseguirmos saber o que esperar da sua trama é uma emoção a parte. Sabe quando você gosta muito de um autor? Normalmente você já sabe o que esperar dele, suas tramas seguem certa fórmula, veja Dan Brown, Nora Roberts, Nicholas Sparks, Marian Keyes, Harlan Coben... citando exemplos diversos.

Aqui você acompanha as memórias de um cafetão, um cafetão de classe, mas que não o deixa de ser. Você imagina alguém criado à margem da sociedade, sem esperanças ou oportunidades, que vê o comercio de sexo como uma forma fácil de ganhar algum dinheiro. Aos poucos você conhece Bravo, e descobre que ele é muito mais do que isto.

Você torce pelo personagem, fica ansioso para descobrir como ele irá escapar de tantas enrascadas, daquela bola de neve que o persegue. Em nenhum momento eu pensei no personagem com asco ou torci pelo seu fracasso, como seria esperado durante a narrativa.  Eu queria ter conhecido melhor Carla, a narrativa unilateral me impediu, e algumas motivações da personagem ficaram no escuro. Lúcio também é um personagem muito bem construído, além disso gostei muito do humor ácido do protagonista.

Apesar de desejar que todos gostassem e reverenciassem Faletti tanto quanto eu, sei que esta leitura não é para qualquer um. Antes de ler analisem se este livro é para vocês, a leitura é mais lenta, é um thriller psicológico e não de ação, não se respeita tabus ou convenções sociais. A linguagem é mais pesada, a verdade é nua e cruel.  Se isso não for problema, leia! Eu recomendo e assino embaixo. ^^

“A lei dos homens é uma linha traçada com mão pouco firme. Alguns ultrapassam o limite, outros o respeitam. Estou convencido de que vivo um palmo acima dele, sem nunca por os pés nem de um lado nem de outro. Não me questiono porque o mundo à minha volta não me questiona.
Isso pode agradar ou não, mas eu sou assim.” p.21

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