Os Irmãos Karamazov - Fiódor Dostoiévski

>>  sexta-feira, 11 de março de 2022

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamazov. São Paulo: Martin Claret, 2019. 916p. Título original: Братья Карамазовы.
 
“Aliocha saiu da casa do pai mais abalado do que nela entrara. Suas ideias estavam fragmentadas e confusas; ele mesmo não percebia que temia unir os seus próprios pensamentos e, a partir deles, chegar a uma conclusão geral sobre as dolorosas contradições que haviam formado esse dia. Experimentava um sentimento próximo ao desespero, algo que jamais lhe acontecera. Uma questão dominava todas as outras, fatal e insolúvel: o que seria de seu pai, e de Dimitri, na presença dessa terrível mulher? Ele os vira lutando. O mais infeliz era seu irmão Dimitri: o destino batia à sua porta. Outros se encontravam envolvidos em tudo isso, talvez mais do que Aliocha pensara a princípio. Aqui havia uma espécie de enigma. O irmão Ivan se aproximava dele, o que ele sempre desejara, mas agora essa aproximação o assustava”. (p. 169)
 
Os Irmãos Karamazov, um clássico da consagrada literatura russa, foi o último livro de Fiódor Dostoiévski. Essa conhecida obra foi a escolhida para a 13ª Leitura Coletiva do Blog Viagem Literária, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2022. Como vocês já sabem, o projeto da Leitura Coletiva possibilita a leitura de clássicos da literatura mundial com metas curtas e promovendo uma descontraída interação entre os participantes, compartilhando impressões, ideias e expectativas. Dessa vez retornamos à Rússia com um livro que traz diversos assuntos que ultrapassam a literatura: amor, religião, família, psicologia, filosofia, pátria... temos tudo isso e muito mais. Publicado como serial entre 1879 e 1880, o livro se situa na Rússia do século XIX para nos trazer a complicada história dos três irmãos Karamazov e o conturbado relacionamento com o pai.
 
“- Para que acabar? Já está bem claro! Tudo isso é uma velha canção, meu querido. Se você tem um temperamento sensual, imagine só seu irmão Ivan, filho da mesma mãe? Pois ele também é um Karamazov... Ora: todos os Karamazov são naturalmente sensuais, gananciosos e loucos!” (p. 100)
 
A leitura deste imponente calhamaço não foi das mais fáceis para mim. Com tom de reverência, muito pela fama que o livro possui, comecei a leitura com muita humildade e um pouco de medo. Obras assim me intimidam bastante, aproximo do livro um pouco assustada com o que Dostoiévski representa para a literatura. Já participei de várias conversas literárias onde a mera menção à Os Irmãos Karamazov era recebia com expressões de “aaah”, “oooh”, rapidamente colocando o livro no rol de uma produção simplesmente incontestável. Assim, quem sou eu para ler e analisar, resenhar e criticar? Eram essas as minhas sensações no começo da obra, o que fez com que a leitura demorasse um pouco para desenvolver, até que esse gelo fosse quebrado. Depois de um tempo, acostumei com a narrativa e fui me envolvendo com a história, mas mesmo assim tive muita dificuldade.
 
Vou entrar aqui na discussão Tolstói x Dostoiévski e dar a minha opinião, já aviso! A leitura de Tolstói é indissociável da minha história como leitora. Seu livro Memórias, o tomo da Infância, é um dos meus favoritos e me ensinou mais sobre a alma russa do que muitas obras acadêmicas. Anna Karenina está marcado a ferro do meu cérebro, uma raridade em meio a tantos livros. E Guerra e Paz foi uma leitura durante a pandemia que solidificou minhas preferências. Já a minha história com Dostoiévski é recente. Li Noites Brancas alguns anos atrás, mas foi ano passado, com Crime e Castigo (cuja resenha vocês podem conferir clicando AQUI) que realmente pude conhecer o autor. Foi uma experiência muito interessante, e um ciclo que para mim se encerra neste momento com Os Irmãos Karamazov. O último livro do autor ser aquele que é o que mais marca seu estilo narrativo. Uma história complexa, com personagens incrivelmente construídos, uma narrativa longa e com muitas voltas, mas que sabe o seu caminho. Aqui a literatura se mistura com a filosofia, e em muitas vezes os personagens representam as vozes do autor em discussões existenciais de incrível profundidade. Não tem como escapar do destaque ao capítulo “O Grande Inquisidor”, que é um tratado por si só (e as vezes assim publicado). Muito mais que em Crime e Castigo, o autor assume que sim, ele é o narrador e conta tudo o que ele quer dizer.
 
Mas por que falar da boa e velha conversa Tolstói x Dostoiévski? Por que a vida é engraçada ao nos mostrar que a idade as vezes vem trazendo sabedoria. E digo isso agora como uma leitora com alguns anos nas costas: A Alice que leu Tolstói 16 anos atrás amaria de paixão Dostoiévski, mas a Alice que leu hoje Dostoiévski é uma que gosta mais de Tolstói! Seria esse um caso de amores impossíveis e pareamentos perfeitos separados pelo destino? Talvez! Vou explicar um pouco mais, trazendo o enredo de Os Irmãos Karamazov sem spoilers.
 
Na minha adolescência e início da vida adulta, eu me descobria uma estudante ávida por conhecimento, e por saber mais! Queria mais tempo para ler, estudar, conhecer, saber, em uma empolgação que sempre me acompanhou e que me é característica. Ali, me descobri a típica “pessoa de humanas”, cada vez mais intrigada pelo funcionamento da sociedade, de sistemas governamentais, de pessoas e da mente humana. Queria eu hoje voltar para aquela Alice de então e recomendar a leitura de Os Irmãos Karamazov, pois seria um livro perfeito para o meu momento. Aqui, temos a história de uma conturbada família russa, liderada pelo devasso e imoral patriarca Fiódor Pavlovitch Karamázov, pai de três filhos: Dimitri, Ivan e Aliocha. Dimitri é filho do primeiro relacionamento do pai, enquanto Ivan e Aliocha possuem a mesma mãe. É importante ressaltar que a figura materna não está em questão. É tudo sobre esses quatro homens e os relacionamentos entre si.
 
Muitos são os motivos de atrito entre eles, mas a maior tensão claramente está entre o pai e Dimitri, o primogênito. Há discussões financeiras, sobre dívidas e heranças, e também há um triângulo amoroso, quando os dois são apaixonados de forma um pouco doentia por Gruchénka. Ivan, o filho do meio, é reservado e um pouco avoado, mas ao mesmo tempo muito inteligente, e é dele a frase presente na obra: "Se Deus não existe, tudo é permitido?" Aliocha, o caçula, é o conciliador de todos os conflitos e um homem de fé. A história é desenvolvida de forma a explicar a origem dos conflitos e nos mostrar as reações e comportamentos entre todos eles, até que a situação chega em um ponto irreversível. O destaque fica para os diálogos repletos de questões filosóficas que envolvem psicologia e existencialismo, que dá show, mas fazem o livro um pouco lento e denso demais. Bom, pelo menos de acordo com a opinião da Alice de hoje.
 
A Alice de hoje, com um pouco mais de experiência e bagagem nas costas, tem opiniões e gostos um pouco diferentes da Alice de antes. Hoje, eu prefiro livros que retratam comportamentos em face de algumas situações impostas pela sociedade, ou frutos do preconceito dela. (observação: daí meu interesse, por exemplo, por livros da temática da cor, como explico melhor na resenha de “Identidade”, que vocês conferem AQUI). Ou seja, hoje eu prefiro a temática favorita de Tolstói, que curiosamente li no período em que Dostoiévski seria o meu autor de cabeceira. Assim, creio que estamos diante de uma situação de “o livro certo na hora errada”. E isso me deixa triste, pois tenho certeza que hoje essa obra não era exatamente o que eu precisava, mas teria sido perfeita alguns anos atrás.
 
Para concluir, retomo algumas palavras que já ressaltei na resenha de Crime e Castigo: “Se seu interesse é ler uma obra clássica que faz jus ao status, esse é um livro que certamente não irá decepcionar”. E não vai decepcionar. Isso é, se o momento de vida for o certo!
 
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Avaliação (1 a 5):

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