David Copperfield - Charles Dickens

>>  sexta-feira, 1 de abril de 2022


DICKENS, Charles. David Copperfield. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2021. 872p.
 
Charles Dickens tem a cara de dezembro. Não sei exatamente o porquê, mas talvez seja por causa do seu famoso livro natalino. Seja qual for a razão, sempre relaciono os livros de Dickens com as festividades de fim de ano. O cenário do século XIX, as histórias de vida, os personagens caricatos e marcantes, seu estilo próprio inegável... Não sei, para mim tudo isso grita dezembro. E foi justamente nesse mês que finalmente embarquei em David Copperfield, meu terceiro Dickens. As minhas experiências com a leitura só confirmaram a minha loucura em estabelecer que Dickens é um autor com a cara do Natal. Vou tentar explicar um pouco mais das minhas razões e, por que não, as minhas impressões gerais dessa leitura que fechou o meu ano literário de 2021.
 
A escolha de dezembro foi uma alegre coincidência do destino. Um grupo de amigas decidiu ler conjuntamente a obra justo nesse mês, e lá fui eu atrás de mais uma loucura literária. Naquele momento estava lendo 4 livros ao mesmo tempo, algo que para meu desespero é cada vez mais comum na minha vida, e acrescentei aquela que muitos consideram a obra prima de Dickens na lista. As metas eram ambiciosas (cerca de 3 capítulos por dia) e foi um pouco puxado, mas o livro “aguenta” esse ritmo ousado. A leitura flui bem, muito por sua trama estilo novelesca que prende o leitor-espectador na busca de resolução de conflitos e injustiças.
 
O livro conta a história do seu herói homônimo, David Copperfield, passando por praticamente toda sua vida, do nascimento até seu estabelecimento na vida adulta. David nasceu na Inglaterra, 6 meses após a morte do pai. Apesar disso, sua primeira infância é descrita com muita felicidade, passada ao lado da mãe e da ajudante Clara Peggotty. Aos 7 anos, David é surpreendido com o casamento da mãe com Edward Murdstone, um homem odioso e bastante arrogante, que desde o princípio faz tudo para afastar David do convívio materno. O menino acaba primeiro indo morar com a família de Peggotty e, depois, em um rigoroso internato. A partir daí a história de David se transforma em uma história de luta, de sobrevivência, sacrifício e um pouco de aventura.
 
Já é conhecida a tendência autobiográfica da obra, algo que o próprio Dickens assumiu. E mesmo se ele não tivesse assumido, algumas passagens são incrivelmente pessoais e tão repletas de angústia e sentimento que só podem existir vindo de um lugar de fala, de experiência. Especialmente o período da infância de David, algumas situações são tão vívidas que são capazes de provocar arrepios, o leitor literalmente sentindo na pele a dor. Minha experiência mostra que sentimentos assim tão fortes não podem ser criados do nada, o aspecto da pessoalidade é necessário para transformar a escrita em algo especial. E é esse o caso na primeira parte do livro, a infância. Como não sentir, esperar, afligir, rir e chorar com o pequeno David? Eu me considero uma pessoa pouco emotiva quando no meu lugar de leitora, mas até eu não resisti e cai copiosamente em lágrimas com os percalços da criança em sofrimento. Pode ser pelo fator dezembro, que traz o fim de ano juntando família, evocando memórias e inevitavelmente atiçando sentimentos antes esquecidos. Só sei que meu espírito natalino aflorou ali com o pequeno menino, quem eu mal conhecia e já amava.
 
Se a história ali terminasse, seria um livro quase perfeito. Mas o tempo passa e as pessoas evoluem, e assim fez o pequeno David, que cresceu. Com ele vieram a adolescência, a vida adulta e o fim da vida, e o livro perde a emoção carnal da primeira fase. David enxugou as lágrimas, respirou fundo e escolheu lutar, e assim fomos com ele. Com isso, descobrimos personagens formidáveis, como aquela que rouba todas as cenas em que aparece, a surpreendentemente feminista e incônica Betsey Trotwood e a madura Agnes Wickfield. Mas nem tudo são flores, então também temos alguns personagens odiáveis, como Uriah Heep, um típico vilão Dickensiano, e James Steerforth, um amigo de David da época da escola que cresce para se tornar uma pessoa falsa e ruim.
 
Para mim, o grande problema do livro é perder o tom sentimental e quase visceral da primeira parte, virando muitas vezes quase uma aventura. A cena do naufrágio pareceu um livro desconexo, como se a obra fosse um compilado de diferentes gêneros. Eu não estava pronta para me desapegar de David criança, e ele foi arrancado de mim para se tornar um adulto bom, mas mediano, uma pessoa que eu não me importei muito. Todas as suas relações foram algo que perdi interesse ao longo do tempo, especialmente depois de seu casamento com uma mulher tão infantil que beirava o absurdo. A vida não foi fácil para David, assim como Dickens, mas eu gostaria mais de saber sobre seus sentimentos, não suas ações. Eu sou dessas e gosto dos meus livros assim!
 
Mas quem conhece sabe que ler Dickens é assim mesmo: ter alguns personagens para sempre no coração, com muito carinho e devoção, e outros vilanizados para se esquecer com o tempo. É uma ceia de Natal, onde revivemos traumas passados com tons saudosistas e convidamos aqueles que aquecem nosso coração, relevando antigos problemas por uma noite no ano.
 
Quem sabe eu encaro outro livro do autor no próximo mês de dezembro? Tenho certeza que acharei extremamente natalino!
 
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Avaliação (1 a 5):


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