Não conte para a mamãe - Toni Maguire

>>  quinta-feira, 1 de novembro de 2012


MAGUIRE, Toni. Não conte para a mamãe. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2012. 308p. Título original: Don’t tell mummy: a true story of the ultimate betrayal.

“-Não conte para a mamãe – disse ele, dando-me uma breve sacudida. – Isso é um segredo nosso Antoinette, você me ouviu?
- Está bem, papai. – respondi. – Não vou contar.
Mas contei. Eu sentia segurança no amor de minha mãe. Eu a amava, e ela, eu sabia, me amava. Ela o mandaria parar.
Mas não mandou.” p. 55

Toni Maguire conta neste e em seus outros livros – When daddy comes home, Can’t anyone help me? e Don’t you Love your daddy? – sobre sua infância, uma historia triste, mas de algum modo a historia de uma sobrevivente. Em uma obra de não ficção, o leitor acompanha uma menininha, que foi abusada constantemente pelo pai ao longo de oito anos, narrado em primeira pessoa conheça Não conte para a mamãe da inglesa Toni Maguire.

O nosso primeiro contato é com Toni Maguire, uma mulher adulta e independente que chega a clinica de repouso para ficar ao lado de sua mãe – Ruth Maguire – paciente terminal de câncer. Enquanto cuida da mãe e espera, quem sabe, por um pedido de perdão, Toni deixa que Antoinette venha a tona, e nos conte sua historia.

Antoinette nasceu na Inglaterra pós guerra, e tem apenas lembranças felizes de seus primeiros anos de vida, de como sua mãe a amava, de seus vestidinhos lindos e de suas perninhas gordinhas. Sua avó materna estava sempre por perto, e Antoinette amava suas visitas. Seu pai ficou no exército durante alguns anos depois da guerra e ela pouco se lembra dele, tinha apenas a lembrança de um homem alto e bonito, sempre sorridente e trazendo chocolates. Sua mãe não cabia em si de felicidade quando ele estava por perto, fazendo de tudo para agradar seu amado marido.

Aos 5 anos, sua lembrança mais feliz é de ter ganhado Judy, sua amada cadela que seria sua melhor amiga por muitos anos. As dificuldades de trabalho de seu pai acaba fazendo com que a família se mude para a Irlanda do Norte, onde viviam seus avós e toda a família do pai. Em um país novo e uma cidade desconhecida, ela e a mãe tentam se adaptar a vida triste de uma pequena casinha alugada, enquanto o pai estava quase sempre ausente.

E foi o começo do terror, primeiro ela ficou conhecendo o pai nervoso, aquele que se irritava com tudo o que ela fazia, que estava sempre julgando e acusando, onde nada que ela fazia parecia certo. Quando ele estava para chegar ela nunca sabia quem viria, o pai alegre e jovial, ou o pai aterrorizante. Mal sabia ela que era apenas o começo, ao seis anos de idade ele a beijou de língua, a apalpou e disse aquelas palavras que repetiria sempre: “Não conte para a mamãe, minha menina”.

Mas ela contou, confiava no amor da mãe e esperava sua proteção. Mas a mãe, a única pessoa em que ela confiava, a traiu. Olhou-a com ódio e disse “Nunca, nunca mais fale isso de novo, está bem?”. E depois desse dia, uma enorme barreira de frieza se formou entre ela e a mãe. Que não cuidava mais dela, que mal olhava para a filha. Antoinette começou a ir para a escola sempre desarrumada, com roupas velhas e sem passar, com o cabelo solto e sem um laço de fita. Os coleguinhas riam dela, as professoras olhavam para ela com asco e exigiam que ela se cuidasse melhor.

Sem ninguém em quem confiar ela permanecia calada, era uma boa aluna, a escola era o único lugar que podia lhe dar alguma esperança, de um futuro melhor, de ser boa em alguma coisa. Já que nem os pais a amavam.

Dos 6 aos 14 anos ela foi constantemente estuprada pelo pai. Os abusos só pioravam a medida que ela crescia, que seu corpo se desenvolvia e se tornava mais desejado por ele. Se ela ousasse gritar ou negar as coisas pioravam, ela se sentia aterrorizada e não tinha a quem recorrer. Ele avisou que se ela contasse ninguém acreditaria nela, que a culparam, e o pior é que ele estava certo.  Ela foi aliciada, abusada, conviveu com o descaso, o assedio moral, o sadismo e a violência física. Tudo isso dentro de casa, tudo isso provido pelos próprios pais.

“As horas de escuridão vieram, e fui engolida por ondas de sofrimento. Ouvi a voz do meu pai em meus ouvidos: ‘Sua mãe não vai mais te amar, se você contar. Todos vão culpar você.’ Eu agora sabia, com certeza absoluta, que o que ele previra era verdade.” p.270

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Eu já li alguns livros fortes que falam sobre violência sexual - como Quarto e Identidade roubada -, mas nenhum deles foi tão chocante quanto este. Primeiro, claro, por ser uma historia real, e segundo, pelo abuso ter sido cometido pelos próprios pais. O pai que a estuprava, a mãe que sempre soube e fechou os olhos para tudo, perdida no seu sonho de uma família feliz, mantendo sempre a aparência até o fim.

Acho que o pior de toda a historia é que eu não via uma luz no fim do túnel, eu não enxergava um final feliz para Toni, e nem esta foi a intenção da autora ao publicar suas memórias. Ela estava marcada para sempre, sua vida foi uma tristeza sem fim e não teria uma reviravolta emocionante.  Além disso o pior foi a falta de solidariedade, foi o que mais me assustou.

Nos outros livros que eu li sobre o assunto a vítima era considerada como tal, quando tudo vinha a tona eles se solidarizavam com ela e cuidavam dela.  Antointette foi julgada e condenada, por família e amigos, por quase todos que a viam passar pelas ruas. Como se ela tivesse culpa da violência que sofreu, como se ela tivesse gostado, já que não fez nada e não contou para ninguém por todos aqueles anos. Isso doeu meu coração, eu li e chorei junto com a personagem.

Este é o meu primeiro livro sobre pedofilia, um tema hoje muito comentado e discutido, mas um termo que nem existia quando aconteceu na vida de Toni. Eu ainda me assusto com a maldade humana, evito ler notícias ruins nos jornais e confesso que a ficção é uma ótima fuga para a “Terra do nunca”. Mesmo assim eu indico Não conte para a mamãe, um livro que irá mexer com todos seus leitores de alguma forma. Por Toni ser uma sobrevivente, por ela ainda proteger a mãe até o final apesar de tudo, por ela conseguir AMAR, mesmo que até agora eu não entenda como. Não é um livro para todos, mas espero que algum dia vocês leiam. =]

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