O Homem do Castelo Alto – Philip K. Dick

>>  sexta-feira, 6 de agosto de 2021


DICK, Philip K. O Homem do Castelo Alto. São Paulo: Editora Aleph, 2019. 312p. Título original: The Man in the High Castle.
 
Não sou viajante de primeira viagem no fantástico e um pouco perturbador mundo de Philip K. Dick. Fui apresentada ao estilo desse celebrado autor de distopia e ficção científica em O Tempo Desconjuntado (cuja resenha vocês podem conferir AQUI). Foi o suficiente para atiçar a minha curiosidade e procurar aquela tida como seu trabalho mais bem sucedido – O Homem do Castelo Alto. O livro foi publicado em 1962 com uma narrativa inovadora para época, baseada em muita pesquisa que possibilitou dar um realismo chocante à história, ao apresentar pessoas políticas reais e situações ideológicas defendidas por um setor da população mundial.
 
O livro se passa em uma realidade distinta, onde a Alemanha e o Japão foram vencedores da 2ª Guerra Mundial e deram prosseguimento aos seus planos de ocupação e dominação, instaurando regimes nazifascistas ao redor do mundo e continuando as políticas extremistas de discriminação e extermínio de minorias. Na lista dos alvos de campos de concentração estão os judeus, os romenos e os homossexuais. O livro acaba tratando mais do caso dos judeus, que precisam viver disfarçados na sociedade, contando com a bondade dos amigos para não serem delatados e mortos pela polícia.
 
Acho importante explicar um pouco mais do mundo geopolítico onde acontece a história. Na verdade, ela se passa majoritariamente nos EUA, especialmente em São Francisco, mas temos informações sobre outros países e algumas partes que envolvem a nova política global.
 
Na história alternativa de Dick, o atentado à vida do então presidente estadunidense recém eleito Franklin D. Roosevelt em 1933 foi bem sucedido. Assim, o país não consegue superar a Grande Depressão, e afoga na pobreza. Além disso, sem a liderança de Roosevelt na guerra, a política do país foi de neutralidade, não intervindo na ocupação da Europa por Hitler e seus aliados. Ao mesmo tempo, o Japão, sem a repressão no pacífico, invade a costa oeste estadunidense. Tudo isso culmina na rendição e término da guerra em 1947, com a vitória do Eixo (Alemanha, Japão, Itália e Turquia). Neste cenário, em 1960 temos uma configuração geopolítica distinta do que vemos hoje. O mundo possui 2 potências: a Alemanha Nazista e o Japão Imperial. Os EUA então apresentam um novo desenho, sendo dividido em 4: EAP (Estados Americanos do Pacífico), de domínio japonês; o Estado das Montanhas Rochosas, uma zona neutra; Os Estados Unidos, união de estados nacionais e o Sul, ambos sob comando e influência alemã.
 
Para facilitar, aí vai um mapa que ilustra como o país foi dividido. (Fonte: Wikipedia)

 

Os Estados Americanos do Pacífico são controlados a mão de ferro por Tóquio e houve uma imigração em massa de japoneses. Eles ocupam posições de destaque em empresas e na vida social da região. A cultura oriental está enraizada na vida da região, sendo marcantes elementos como a hierarquia, o respeito e o misticismo religioso, representado no livro pelo I Ching, que serve como oráculo e guia. O Estado das Montanhas Rochosas, por ser neutro, possui grande comercialização de contrabando, com produtos e produção cultural proibidos nas outras regiões.
 
O livro segue a história de alguns personagens em 1962, ano da publicação da obra, cada um vivendo em regiões diferentes do país e em condições distintas. É em suas narrativas que vamos conhecendo sobre a história e as características de cada região, para depois entender como todos estão ligados. Temos Robert “Bob" Childan, proprietário de uma loja de antiguidades em São Francisco. Lojas de antiguidade representam um negócio rentável à época, pois os japoneses possuem um fascínio pela cultura dos EUA antes da guerra e mantiveram o caro hábito das coleções de itens então mundanos, que representam o antigo estilo de vida americano e a vida da sociedade ociental. É com Childan que somos apresentados à nova estratificação social, com os americanos na base da pirâmide, servindo aos desejos dos japoneses. Ele é contratado por um oficial japonês Nobusuke Tagomi, que está em busca do presente perfeito para impressionar o vendedor sueco Baynes.
 
Também somos apresentados a Frank Fink, um judeu veterano da 2ª Guerra Mundial que esconde sua religião para conseguir sobreviver e trabalhar. Sua ex-esposa, Juliana Fink, também é uma das personagens que acompanhamos. Ela trabalha como instrutora de judô no Colorado, nos Estados das Montanhas Rochosas, e se relaciona com um caminhoneiro italiano chamado Joe Cinnadella. O que une esses personagens, além de tentarem sobreviver nessa configuração política, é o fato de todos constantemente consultarem o I Ching para tomar decisões sobre o que fazer, qual caminho a seguir e como reagir. E, o mais importante, todos em certo momento da história se deparam com uma obra proibida, o livro O Gafanhoto Torna-se Pesado, escrito por Hawthorne Abendsen.
 
Minha relação com esse livro, após a leitura, é um pouco de amor e ódio, e vou tentar explicar um pouco a razão para isso. Existem pontos positivos e que me fascinaram, mas alguns aspectos me deixaram realmente incomodada. Para facilitar minha explicação, dividi a análise em 3 pontos positivos e 3 pontos negativos. E vamos começar pelo lado bom da história!
 
A HISTÓRIA ALTERNATIVA. De longe, o mundo pesquisado, imaginado e depois criado pelo autor é espetacular. Quando li a sinopse do livro e após as primeiras páginas, mergulhei de cabeça em pesquisas, teorias conspiratórias e mapas geopolíticos. Cheguei ao cúmulo de procurar meu caderno de história da época do vestibular (eu de fato sou uma acumuladora) para conferir alguns dados e datas sobre invasões durante a guerra. O livro incita essa curiosidade e senso investigativo do leitor, e isso é muito legal. Dick, inclusive, pesquisou muito sobre o nazismo e a guerra para dar realismo a esta potencial continuação política do regime. Vemos isso claramente quando, na história, Hitler morre vítima de sífilis e há uma disputa política em torno da sua sucessão, confirmando a tensão latente entre Alemanha e Japão. Afinal, uma união com base no ódio não tende a se manter por muito tempo, por motivos óbvios.
 
HISTÓRIAS INTERCALADAS. Talvez eu não teria escrito como o autor fez, mas eu sou fã do conceito de histórias intercaladas, ou seja, personagens independentes que, ao final, se relacionam de um jeito muito interessante e completam a história. É isso o que o autor faz aqui, nos apresentando pessoas diferentes em lugares distintos que, juntas, compõem o enredo.
 
O GAFANHOTO TORNA-SE PESADO. De longe, descobrir um livro dentro do livro foi a melhor parte dessa experiência. Eu não vou contar sobre o que é o livro, pois fazer essa descoberta, na minha opinião, é o ponto alto da leitura. Foi nesse exato momento que reconheci como o livro é complexo e o trabalho do autor foi muito meticuloso e criativo. Esse enredo deu sobrevida à narrativa e me deixou empolgada pelo que viria a acontecer, e todas as possibilidades que ele abria. A artimanha me parece ser algo que o autor gosta, pois vi algo um pouco parecido no outro livro que li, O Tempo Desconjuntado. Mesmo assim, foi uma jogada de mestre.
 
Agora quanto ao lado negativo, acredito que tudo passa por uma questão de expectativa. Eu tinha uma enorme expectativa em torno da obra, o que sempre é uma pressão muito grande e um problema: se o livro não entrega aquilo ou até mesmo mais do que você estava esperando, as expectativas frustradas são capazes de refletir nas mais baixas notas. Infelizmente, acho que isso foi o que aconteceu comigo aqui. Eu estava fascinada com o contexto histórico e realmente adorei me preparar para ler o livro. Acontece que, quando cheguei na história, a expectativa não foi correspondida. Creio que foram 3 os principais problemas:
 
MISTICISMO. Eu não comprei o enredo do I Ching. Na minha opinião, foi algo forçado para mostrar um misticismo de uma nova sociedade e novas culturas, uma esperança para pessoas sem muito onde a buscar. Mas isso tornou a narrativa um pouco parada e cansativa, ao invés de imprevisível e empolgante. Eu gosto de personagens que tomam as rédeas do próprio destino, e muitas vezes as passagens do I Ching não só não contribuem para a história como a deixavam menos fluida. Com isso, temos uma leitura truncada, que não rende muito.
 
APATIA. Os personagens são incrivelmente chatos. Talvez o Childan seja a exceção no meio, mas eu não consegui me relacionar e torcer para nenhum deles, e olha que eles estavam disputando com nazistas, o que torna essa disputa praticamente ganha! Não sei, talvez em 1962 as pessoas fossem um pouco diferentes (o que não acredito), mas eu sinceramente não fiquei curiosa para saber mais sobre nenhum dos personagens apresentados.
 
O FINAL. Quem me conhece sabe que eu não me importo com finais controversos, podendo ser abertos, com definição diferente do que a gente torcia, com o vilão vencendo. Eu realmente não me importo, desde que me dê uma coisa simples, porém difícil: coerência. O final tem que fazer sentido com o que vivemos na história, ou quero meu dinheiro de volta. Li muitas explicações e resenhas sobre o final desse livro, mas eu ainda não consegui encontrar a lógica e a coerência com tudo que vivemos na narrativa. Isso me deixou um tanto quanto brava: depois de um início avassalador, depois de insistir em um texto que não flui bem, depois de me empolgar enormemente com um twist no enredo... eu acho que nós merecíamos mais!
 
Longe de mim querer desencorajar vocês de ler o livro. Muitas pessoas adoram a obra, e eu acho que a ideia dela é incrível. Mas, honestamente, não sei se é um livro que eu indicaria em massa, a não ser que alguém me pedisse especialmente uma dica de livro de ficção científica sobre uma sociedade nazista (não confundir com a vida em 2021, cuidado!). Sei que a Amazon Prime produziu (com a ajuda da filha do autor) uma adaptação em forma de série, e eu gosto muito dessa ideia: são tantas histórias, tantos enredos possíveis nesse mundo criado que acredito que uma série com várias temporadas seja um bom caminho para explorar todo o seu potencial, o que o livro peca em fazer. Quem sabe um dia, quando eu esquecer um pouco a experiência, eu dê uma chance!
 
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