Viagem Literária: Memórias de Sherlock Holmes

DOYLE, Arthur Conan. Memórias de Sherlock Holmes. In: DOYLE, Arthur Conan. Sherlock Holmes Volume 2. Rio de Janeiro: Editora HarperCollins Brasil, 2016. p. 7-226. Título Original: The Memoirs of Sherlock Holmes.

Memórias de Sherlock Holmes é o quarto livro do famoso detetive britânico criado pelo escocês Arthur Conan Doyle, sendo o segundo livro de contos. Originalmente publicados entre 1892 e 1893, o livro reúne 11 histórias do detetive, praticamente todos sob a perspectiva de seu amigo Watson. O livro possui a mesma dinâmica e apelo do anterior (cuja resenha vocês podem conferir AQUI), e talvez esse seja o mais chocante, ao apresentar um gancho irresistível. Na verdade, esse era para ser o último livro do detetive, mas a demanda popular e pressão dos editores dado a imensa popularidade do personagem fizeram com que o autor desse prosseguimento ao “universo”.

Se os dois primeiros livros me deixaram um pouco decepcionadas, os livros de contos continuam trazendo diversão e dinamismo. Observei isso em As Aventuras de Sherlock Holmes e comprovo agora em “Memórias de Sherlock Holmes”. Ele atesta o tamanho do personagem e agora sim entendo a popularidade intocada 130 anos após o lançamento dos livros. A coleção de Sherlock Holmes passa agora a ter para mim uma conotação de confiança, de ser um livro que certamente gostarei. Uma segurança literária tão rara e tão importante em nossas estantes.

A tarefa desse livro era difícil. “As Aventuras de Sherlock Holmes” foi uma leitura avassaladora que guardo com muito carinho, então o livro tinha muito a perder ao segurar o peso da expectativa de uma leitora ávida. E ele conseguiu com louvor. Os contos solidificam o carisma e os maneirismos de Holmes, apesar de o autor curiosamente esconder o seu lado negro e controverso que vimos em “O Sinal dos Quatro. “Memórias de Sherlock Holmes” para mim foi um atestado da qualidade de Doyle como um autor de contos policiais, especialmente ao conectar suas histórias e dar fluidez ao conjunto da obra. Algo raríssimo que não consegui observar, por exemplo, no livro de contos de Agatha Christie, “Poirot Investiga” (cuja resenha vocês conferem AQUI).

As histórias mais curtas trazem um dinamismo que é absolutamente necessário para manter o interesse do leitor. Sem isso, as histórias tornam-se chatas, o que já me faz temer pelo próximo livro da série, “O Cão dos Baskerville”. Mas tudo bem, se há algo que aprendi na minha saga Sherloquiana é jamais desistir.

Temos aqui 11 contos e só um é ruim, um típico caso de uma história que envelheceu incrivelmente mal. Todos os outros são divertidos, alguns melhores que os outros, mas que compõem um conjunto bastante satisfatório. A prova de sua qualidade reside no fato de TODOS os contos terem sido adaptados para outras mídias, como teatro, cinema e televisão. Eu particularmente adoro uma boa adaptação do personagem, então podem vir mais que assistirei tudo. Enquanto isso não acontece, vou falar um pouco de cada um dos contos, destacando meus favoritos ao final.

1. Silver Blaze (The Adventure of Silver Blaze), 1892: Sherlock Holmes é chamado para investigar o desaparecimento de um cavalo campeão, o Silver Blaze (que podemos traduzir como Estrela de Prata). Para complicar, o treinador do cavalo também foi assassinado. Ao trabalhar com uma das maiores paixões dos britânicos – as corridas de cavalo – Holmes tem diversas pistas e detalhes para trabalhar nesse curioso caso. O conto é muito divertido e um sólido começo para esse livro. É um dos mais populares e um favorito do próprio Doyle, e me agradou ao trazer todos elementos que gosto: esquisitices de Holmes, Watson desesperado, caso interessante e solução satisfatória. Nota 5/5

2. O Rosto Amarelo (The Adventure of the Yellow Face), 1893: Holmes é procurado por um marido que suspeita de adultério. O Sr. Munro suspeita da esposa após vê-la saindo de uma casa ocupada por novos e estranhos moradores. Esse é o pior conto do livro e aquele que “envelheceu mal”, como o próprio título já alerta. Nota 1/5

3. O Corretor (The Adventure of the Stockbroker's Clerk), 1893: Com a ajuda de Watson, Holmes ajuda Hall Pycroft a entender os motivos de uma oferta de emprego boa demais para ser verdade. É a segunda vez que esse tema aparece nos contos do detetive, mas a primeira foi melhor. Nota 2,5/5

4. Gloria Scott (The Adventure of the Gloria Scott), 1983: Holmes relata a Watson um de seus casos mais antigos, o Gloria Scott. A história envolve Victor Trevor, um amigo de Holmes da época de faculdade (o único, diga-se de passagem). Mais um caso relativo à testemunha de crimes passados, outro tema que Doyle gosta. Interessante, mas não impactante. Nota 3/5.

5. O Ritual Musgrave (The Adventure of the Musgrave Ritual), 1893: Ao tentar organizar seu incrivelmente bagunçado ambiente de trabalho, o que em muito irrita Watson, Holmes encontra papéis referentes ao antigo e misterioso caso da família Musgrave, algo que envolve um tesouro. Holmes conta a história a Watson, quando foi procurado por Richard Musgrave, abalado pela morte de seu pai e o desaparecimento do mordomo, que logo antes foi flagrado mexendo no escritório para roubar um documento. A história envolve para um estranho ritual de família e outras esquisitices que lembram contos de Edgar Allan Poe. Eu me diverti, gosto quando os autores não têm medo de explorar aspectos sombrios, o que combina muito bem com o estilo investigativo de Sherlock Holmes. Nota 4/5

6. Os Senhores de Reigate (The Adventure of the Reigate Squire), 1893: Holmes é levado por Watson para uma casa de um conhecido perto de Reigate, Surrey, Inglaterra, após um longo e árduo caso em Lyon, França. Mesmo em repouso, o mistério parece seguir Sherlock quando o cocheiro da família Cunningham é assassinado não muito distante de onde está hospedado. Os assassinos aparentemente apenas levaram documentos sem maior importância, o que intriga o detetive a usar seus dons mesmo não estando completamente estabelecido. Um dos contos mais dinâmicos e de melhor leitura. Nota 5/5

7. O Aleijado (The Crooked Man), 1893: Sherlock Holmes procura Watson em uma noite chuvosa, solicitando sua companhia em uma investigação. Trata-se do violento assassinato do coronel James Barclay, tendo a esposa Nancy como principal suspeita. Acreditando na inocência da mulher, os dois trabalham para descobrir a verdade sobre o caso. Esse foi um caso bom, mas não tão marcante quanto outros. Nota 3/5

8. O Paciente Interno (The Resident Patient), 1893: O Dr. O Dr. Percy Trevelyan procura Sherlock Holmes por conta de um problema não muito usual. De origens pobres, o médico conseguiu estabelecer sua clínica com a ajuda de um sócio não muito amigável, o Sr. Blessington. O sócio daria o dinheiro e espaço para a abertura da clínica em troca da divisão de lucros com o médico, que também cuidaria de sua saúde. Pouco tempo após a clínica entrar em funcionamento, o Dr. Trevelyan recebeu um paciente muito estranho acompanhado de seu filho, ambos russos, o mais velho dizia sofrer de ataques catalépticos. Ao sair para buscar um remédio, o médico retorna para uma sala vazia. Os dois visitantes retornam no dia seguinte, quando então o Sr. Blessington reclama de invasores em seu quarto, que estava coberto de pegadas. Um caso interessante e envolvente, embora não tão inteligente quanto outros. Mesmo assim me divertiu e agradou, e é um dos mais marcantes do livro. Nota 4/5

9. O Intérprete Grego (The Adventure of the Greek Interpreter), 1893: E aqui temos mais uma camada da vida de Sherlock Holmes desvendada com a introdução de um novo personagem, seu irmão Mycroft. Holmes e Watson são envolvidos no caso do Sr. Melas, um intérprete grego contratado para um estranho serviço (mais uma dessas histórias...). O mais importante e interessante é a dinâmica da família Holmes, cheia de pessoas tão inteligentes quando estranhas. Mycroft é tão bizarro quanto Holmes e adorei cada palavra dessa história. Nota 5/5

10. O Tratado Naval (The Adventure of the Naval Treaty), 1893: Watson é procurado por um colega, Percy Phelps, funcionário do Ministério do Exterior e portador de importantes documentos diplomáticos, que misteriosamente desapareceram. Sem alternativas, ele procura Holmes para ajudar nesse caso aparentemente impossível. Essa história tem todos os clichês que esperamos de Sherlock Holmes: solução improvável, pistas milimétricas, elementos que surgem no decorrer da história, perigo iminente e um Watson coadjuvante. É um dos contos mais marcantes do livro e diverte bastante. Apesar de Phelps ser muito irritante, é uma das minhas histórias favoritas. Nota 5/5

11. O Problema Final (The Final Problem), 1893: Um dos contos favoritos de Doyle, este para mim entra no hall da fama, sendo um conto incrível e que demonstra muito talento narrativo. Se começamos com o pé direito com “Silver Blaze”, “O Problema Final” termina com uma incrível medalha de ouro no peito. Watson narra um recente caso de Holmes, que descobrimos trabalhar há muito tempo coletando provas contra o crime organizado europeu, liderado por um dos maiores vilões da literatura policial mundial, o Professor Moriarty. Com muita aventura, ação e dinamismo (até o sagrado apartamento de Baker Street sofre nesse embate), temos um desenvolvimento impactante e chocante, digno de aplausos. Nota 5/5

Como fiz na última resenha, vou eleger os meus 3 contos favoritos.

1.       O Problema Final
2.       Os Senhores de Reigate
3.       O Tratado Naval

A nota ao final dada foi uma média das notas dos 11 contos, o que acho mais justo quando avaliando livros do gênero. Há uma discrepância na qualidade das histórias (temos contos nota 1 e nota 5), então a média seria a melhor maneira de resolver a avaliação. Mesmo assim, é um livro que termino já sentindo saudades e sabendo que dificilmente teremos outras histórias tão boas quanto essas e aquelas de “As Aventuras de Sherlock Holmes”. Mas seguirei forte na meta de concluir a série, agora nesta segunda fase.

Que venha o próximo livro, “O Cão dos Baskerville”, que espero ter mais em semelhança com os contos do que os romances anteriores.

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Série Sherlock Holmes